terça-feira, 5 de junho de 2018

Escravatura

Escravatura



Escravos, Negros e Índios, em Aldeia Galega




«Qual o coração, por duro que fosse, que não ficasse pungido, vendo aquele acontecimento?», Interroga (-se) Gomes Eanes de Zuarara ao testemunhar o desembarque de duzentos e trinta e cinco escravos, levado a cabo no dia 8 de Agosto de 1443.

Confessa o cronista, que chorou perante o quadro que se desenrolava na praia de Lagos, que, à medida que os escravos iam desembarcando, via-se que «uns estavam cabisbaixos e com os rostos lavados em lágrimas; outros murmuravam muito dolorosamente contemplando o céu, fixando os olhos nele como se pedissem socorro a Deus; outros feriam os seus rostos lançando-se estendidos no meio do chão; outros faziam as suas lamentações à maneira de canto correspondendo ao grau da sua tristeza.»

Mas o momento mais lancinante aconteceu quando, para se formarem quinhões iguais para serem repartidos pelos vários intervenientes no negócio, se apartaram os filhos dos pais, as mulheres dos maridos, os irmãos uns dos outros. Como retratou Zurara:

 «A amigos nem a parentes não se guardava nenhuma lei, somente cada um caía onde a sorte o levava. Os filhos que eram separados dos pais levantavam-se decididamente e iam ter com eles. As mães apertavam os filhos nos braços e lançavam-se com eles de bruços, recebendo feridas com pouca piedade de suas carnes, por não lhes serem tirados. O pai ficava em Lagos, a mãe era levada para Lisboa e os filhos para outra parte. A dor era maior naqueles que eram apartados dos familiares do que naqueles que, porventura, se mantinham juntos, porque “é consolo para os tristes ter companheiros na sua dor”.»


Aldeia Galega do Ribatejo, primitivo nome de Montijo, tornou-se, a partir do século XVI, num importante local de acesso a Lisboa e de passagem para os viajantes que demandavam o sul de Portugal ou os países da Europa.

O porto da velha Aldeia Galega do Ribatejo viu passar gente rica e gente pobre, gente ilustre e gente plebeia, gente livre e escravos. Escravos negros e índios, que por aqui transitaram muitos e se fixaram alguns.

(...) em Aldeia Galega do Ribatejo, entre os séculos XVI e XIX, obtivemos já alguma informação que nos permite concluir da existência de escravos no Montijo, que trabalhariam sobretudo nas quintas, e que alguns deles, à medida que foram alcançando o estatuto de homem livre, se integraram na comunidade aldeana.

As primeiras referências que alcançamos são de ordem obituária. E logo aqui a surpresa de constatar que alguns desses escravos tiveram um funeral religioso semelhante aos demais habitantes livres, sobretudo aqueles que eram propriedade de irmãos da Santa Casa da Misericórdia ou de pessoas amantes e tementes de Deus, que cumprindo uma das obras de misericórdia lhes davam na morte o conforto espiritual que não terão talvez alcançado durante a vida.

Por exemplo, ao lado de Isabel Silva, mulher livre natural de Aldeia Galega, enterrada no átrio da Igreja Matriz, na actual Praça da República, jaz “Salvador escravo índio de Fernão Gama”, que ali foi sepultado em 2 de Fevereiro de 1638 e cujo funeral cumpriu o mesmo ritual do que o daquela mulher. 

Mas, o “Livro de acentos que se fazem dos mortos que as tumbas desta Santa Casa levão a sepultar”, da Santa Casa da Misericórdia do Montijo, regista que Maria, escrava de António Sebastião, foi sepultada em S. Sebastião, a primitiva igreja de Aldeia Galega, em 1625. 





Fonte: http://ruki-luki.blogspot.com/2012/02/escravos-negros-e-indios-em-aldeia.html

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